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Imigração Japonesa

Hoje é dia da imigração japonesa, mas essa história a gente já conhece – e se não conhece, é só dar uma pesquisa rápida, está tudo lá.


(quadro do meu avô)


A história dos Miyasaka no Brasil começa na década de 1930, decorrente das difíceis

condições de vida no Japão fascista e da crise econômica da época, que atingiu os negócios do meu bisavô, Sakuma Niwa (1894-1975), formado professor, mas que passou a dedicar-se ao comércio (principalmente de soja) com os países asiáticos.


Ele portava o nome da esposa, Miyasaka, por ser ela filha única, através do sistema de mukoyoshi (em que o genro é adotado pela família da noiva, permitindo a continuação da linhagem, apesar de o Japão seguir a regra do sangue paterno de descendência).

Minha bisavó, Kikue (1896-1990), enfrenta as angústias e as dificuldades cotidianas

de uma família composta por cinco filhos - Kazuo, Takeshi (meu avô), Tatsuo, Shigeyo (a única filha) e Miyuki, que passou a ser chamado de Tony (o caçula da família). Segundo depoimentos de familiares, foi Shigeyo que, com ajuda de Kazuo, o primogênito, convence Sakuma a tentar a aventura da viagem ao Brasil. A família Miyasaka embarcou no porto de Kobe e chegou (diretamente de Santos) à Fazenda São Martinho, em Pradópolis-SP, onde trabalhou duramente ao longo de dois anos até o vencimento do contrato. Em seguida, os Miyasaka trabalharam em outras fazendas da região de Ribeirão Preto - em Colina (na colônia de Guatapará), áreas de produção de café, arroz e feijão.


A vida na fazenda seguia os ritmos de um duro trabalho. A família inteira era envolvida na lavoura, tarefa à qual nenhum dos Miyasaka estava acostumado. O relato de Takeshi Miyasaka mostra-nos as dificuldades dos trabalhadores japoneses, obrigados por contrato a fornecer dois anos de trabalho. Sakuma, todavia, não se limitava ao trabalho no cafezal. De acordo com o relato do filho, Sakuma dedicou-se também ao ensino na escola japonesa da fazenda, elemento esse de importância primária na estrutura social dos imigrantes.


A política nacionalista de Getúlio Vargas levou, em 1937, ao fechamento forçado das escolas japonesas, marcando oficialmente o fim da educação orientada pelo Yamato

Damashii. O culto ao Imperador, mesmo sendo publicamente reprimido, sobreviveu no

interior da comunidade e das famílias, ainda que informalmente. Resultado disso foi que o jovem Tony herdou, de sua infância, elementos característicos dos laços sociais japoneses, principalmente nos arranjos familiares. Concomitantemente, ao adentrar em idade escolar, foi o único membro da família Miyasaka alfabetizado em Língua Portuguesa e educado nos princípios do Estado Novo, em uma escola rural (CRIPPA, 2006).


Durante a Segunda Guerra, os japoneses no Brasil tornam-se inimigos. Depois de um período de indecisão, Vargas assumiu seu compromisso com os aliados contra o eixo:

Roma – Berlim – Tóquio. A guerra, aparentemente longínqua, passou a ser uma realidade que se tornou cotidiana no interior.


O jornal A Tarde de Ribeirão Preto oferece-nos algumas amostras interessantes da

vivência do conflito no território. Em um artigo intitulado por A colonização japonesa e nossa formação étnica (de 5 de janeiro de 1942), Mário Garcia Ribas relata os resultados dos estudos sobre o “caráter nipônico”. O jornalista observa que, de um lado, alguns consideram os japoneses os melhores trabalhadores no quadro imigratório, mas por outro, a presença japonesa no Brasil é considerada nociva. Suas colônias são tidas como “quistos étnicos e econômicos, com evidente prejuízo para o país”. No mesmo jornal (em 7 de fevereiro do mesmo ano), um anônimo jornalista pede “severa vigilância” para impedir “atos de sabotagem por parte dos colonos japoneses, cujos núcleos [...] constituem uma grave ameaça à nossa segurança [...]”. Para justificar isso, o autor realça como “Ninguém, mais do que nós, conhece a maneira de agir sinuosa, subreptícia e covarde que caracteriza os japoneses, maneira de que eles deram bastas provas, quando do golpe traiçoeiro vibrado contra os Estados Unidos”. O inimigo, em suma, estava dentro das fronteiras, ainda que algumas vezes surgisse uma certa confusão aos olhos dos brasileiros, para os quais, como relata outro artigo do mesmo jornal (em 9 de fevereiro), “Os japoneses se parecem uns com os outros. Os chineses também [...]. Chineses e Japoneses são quase irmãos gêmeos”, tanto que em Belo Horizonte - MG alguns mineiros implicaram com “os patrícios do grande Sun-Yat-Sen”, confundindo-os com súditos do Mikado. A solução foi colar cartazes com o dizer “aqui nós somos chineses” nos estabelecimentos comerciais e industriais. As notícias, os artigos e os avisos de segurança em relação aos perigos representados pelos japoneses foram cotidianos.


Em 30 de janeiro, por exemplo, foi publicado um aviso da Delegacia Regional de Polícia de Ribeirão Preto: “[...] faço público que alemães, italianos e japoneses, residentes no Estado de São Paulo, que para se locomoverem dentro deste ou para fora dele, necessitam-se munirem do necessário salva-conduto”. Também em 17 de março foi publicado o aviso de que italianos, alemães e japoneses não poderiam sair à rua depois das 21 horas.


Essa amostra, ao lado das notícias relativas à captura de espiões japoneses e de explicações sobre as técnicas de sabotagem dos colonos, ajuda-nos a compor o quadro de uma difícil situação vivida na época pelos imigrantes japoneses, tanto nas grandes fazendas que abasteciam a economia de Ribeirão Preto (e que utilizavam a mão de obra “inimiga”), quanto nos pequenos loteamentos por eles ocupados.


Observamos que tanto para a família Miyasaka como para os outros japoneses, os

anos que se seguiram ao conflito não foram nada tranquilos. Tony Miyasaka costumava

relatar que a razão pela qual sua família mudou-se para a cidade de Ribeirão Preto (em 1945) foi uma picada de cobra, após a qual Sakuma resolveu sair do campo. Os primeiros anos em Ribeirão Preto foram marcados pelos conflitos vividos (individual e coletivamente) dentro da própria comunidade japonesa.


Os imigrantes manifestavam as consequências da derrota nas medidas extremas da

seita Shindo Renmei, ocupada em punir (na capital e no interior do Estado) os japoneses que acreditavam na vitória aliada sobre o Japão. Crescidos na absoluta fé de um país nunca derrotado, de um Imperador divinizado, passaram a ser cidadãos de um país devastado pela guerra e humilhado (cujo imperador foi forçado a desmentir sua ascendência divina).


Passaram a ser uma minoria desenraizada em um país do qual mal falavam os rudimentos da língua. Enquanto Kazuo trabalhou em uma tinturaria, passando roupa, Takeshi foi enviado à Igarapava-SP, onde se submeteu às dificuldades de ser aprendiz no ofício da fotografia (em uma família da colônia japonesa local). Tatsuo trabalhou como lustrador de móveis, enquanto Shigeyo trabalhou como costureira. Tony, por sua vez, ajudava no sustento da família como auxiliar de farmácia e vendendo peixe nas ruas.


O padrão da estrutura familiar tradicional – que apresentava uma forte solidariedade do grupo subordinado ao chefe de família – se revelava na possibilidade de retomar o ramo de atividade originário do patriarca, o comércio. Os esforços se concretizaram em 1950, com a abertura do estúdio fotográfico Miyasaka. Takeshi, de volta de Igarapava, compartilhava com os irmãos os resultados de suas atividades como aprendiz fotógrafo.


Kazuo e Tony apreenderam as técnicas de estúdio e, com Tatsuo, retocavam as fotos que, à noite, revelavam. Sakuma ocupava-se da organização dos negócios. Kazuo e Takeshi dedicavam-se, também, à venda de reproduções de fotografias retocadas, que levavam dentro de uma maleta pelas cidades vizinhas.


O estúdio ganha notoriedade graças a alguns elementos chaves. O primeiro deles é

o domínio das técnicas fotográficas (dentro do estúdio) onde Kazuo, principalmente, cuidava dos retratos. Como segundo elemento, destacamos o pioneirismo de Tony. Lembramos que Tony frequentara uma escola brasileira na fazenda e que conseguiu continuar os estudos na Escola e Biblioteca dos Pobres de Ribeirão Preto, adquirindo um diploma no Curso de Comércio, em 1950. Isto significa que, dentro da família Miyasaka, ele era o membro mais permeável à cultura veiculada pelos jornais, revistas, rádio e cinema em Língua Portuguesa.

Entendemos que tal elemento o diferenciava dos irmãos. Para Tony, a descoberta da modernidade urbana é um contraste muito grande com a dura realidade da fazenda. As

condições econômicas favoráveis de Ribeirão Preto acentuam tal oposição. Neste sentido, não nos surpreendemos pela sua opção em retratar o mundo urbano afastado da realidade rural.


Talvez fossem as imagens veiculadas pelo cinema (através de suas personagens) que tenham inspirado o jovem fotógrafo a sair do estúdio para retratar os ritos da sociedade local. Assim sendo, casamentos, bailes de branco, eventos sociais e acadêmicos passam a pontuar a atividade de fotorreportagem de Tony.


Na localidade foi instalada, em 1951, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP, ao lado de outras Instituições de Ensino Superior particulares e, em

seguida, foram implantadas outras faculdades da área de saúde, Odontologia e Enfermagem.


A série de retratos de Tony (principalmente tirados no estúdio, frequentemente

retocados antes de serem entregues), as fotos que testemunham a expansão da USP, a

construção do Hospital das Clínicas, as inúmeras escolas e os novos produtos de consumo contam tanto a história do crescimento da cidade (e de suas personalidades marcantes) quanto a história dos costumes e dos valores sociais de mais de uma década.

Durante os primeiros anos de atividade, Tony intercalava a atividade de fotógrafo

comercial com interesses cinematográficos. Foi membro do Cine Foto Clube de Ribeirão Preto, e seu interesse pela imagem em movimento levou-o a estudar cinema com o roteirista Rubens Francisco Lucchetti. Este envolveu Tony em duas produções de cinema experimental (de animação).


Em 1960, Tony foi aos Estados Unidos a convite da Kodak numa viagem de atualização sobre equipamentos e tecnologias. O ano de 1970 marcou o fim das atividades

profissionais de Tony como fotógrafo. Tal fato coincidiu com a derrocada do sonho dourado da era Kubitschek, com a chegada da Junta Militar ao poder e o recrudescimento do regime, em 1968. A leveza do sonho americano se contrapõe ao peso dos anos de chumbo e à decisão de Tony de afastar-se da fotorreportagem (para dedicar-se exclusivamente ao comércio) não significou seu desaparecimento da cena de Ribeirão Preto. A fotografia tornou-se, a partir desse momento, um hobby através do qual Tony estuda luzes e cores, especialmente em suas imagens de flores e plantas. É também um conjunto de práticas que podem ser ensinadas, como passou a fazer (desde o começo da década de 1970), quando iniciou o curso de fotografia. Tal curso permitiu que centenas de jovens e adultos conhecessem o ofício com aulas sobre o funcionamento da luz e da câmera. Aulas sobre os vários tipos de foto, aulas práticas, aulas de História da Fotografia. Essas aulas baseavam-se na ideia da fugacidade de cada momento que, todavia, pode ser capturado em uma fotografia – devolvendo à imagem sua função de substituta das ausências, das perdas, conforme já afirmamos no início deste trabalho.


Nos últimos anos de vida, Tony dedicou-se com paixão à fotografia aérea, ao

curso que mencionamos acima e à redação de artigos sobre fotografia para a imprensa local.


Em São Paulo, meu avô, Takeshi, continuou se dedicando à fotografia por alguns anos. Teve um estúdio de fotos, onde lembro ter ido diversas vezes quando criança, e onde adorava passar as tardes, em meio a máquinas fotográficas, filmes, máquina de foto instantânea... mas além disso, lá era também seu atelier de pintura, ofício que ele aprendeu retocando fotos, e era sua paixão. O estúdio de fotos ficou para trás, mas a pintura foi presente até o fim; pintou e deu aulas sem parar, expunha seus quadros na Praça da Liberdade, Praça da República, ora ou outra em alguma exposição fechada. Mas o que ele gostava nas praças mesmo era de estar com os amigos, tomar sua cervejinha, coisa que continuou a fazer escondido depois de se tornar diabético, e me lembro de ter ido visitá-lo algumas vezes na praça e pegá-lo no pulo...


Até hoje, sempre que sinto cheiro de tinta a óleo sou transportada ao atelier do meu avô, meu ditchan, e parece que ainda está tudo lá.

 
 
 

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